A SEMÂNTICA E O TEATRO
INFANTIL
A SEMÂNTICA A INFÃNCIA E O TEATRO
INFANTIL parte I
por Carlos Augusto
Nazareth
O espetáculo teatral infantil está
estruturado ou engessado em uma série interminável de palavras, que nomeiam, de forma vaga e por vezes equivocada, o universo do teatro infantil.
Começamos pela palavra infantil. Muitas
correntes se recusam a usar este termo por sua conotação pejorativa de coisa menor, que tem uma história que precisa ser discutida.
Infância, s,f (Lat. Infantia ) – Estado
ou idade da criança que ainda não fala, por extensão, o primeiro período da vida humana, até os sete anos (1)
(Do latim infans –antis “que não
fala”-infantil) (2)
A etimologia da palavra mostra o conceito
histórico de criança "a que não fala”, ou seja, a que não tem voz.
Evidentemente a história da criança na
sociedade passa por inúmeras fases.
Na Idade Média, o comportamento é marcado
pela infantilidade entre todas as faixas etárias. Nota-se que não há um conceito exato de adulto e muito menos de criança.
Sendo assim, a infância se estende apenas
até os sete anos. Nessa idade quando passa a ter acesso à língua escrita, o menino de sete anos é um homem em todos os aspectos, exceto na capacidade de fazer amor e guerra.
Nesta época não existia o mundo da
infância, as crianças freqüentavam festas em que homens e mulheres alcoolizados se comportavam vulgarmente, sem pudor na frente dos menores
Sintetizando, invisível era a palavra que
definia a criança na Idade Média, sem dúvida uma diferenciação entre o mundo medieval e o mundo moderno.
Na modernidade, em culturas onde há
diferenças explícitas entre o mundo adulto e o mundo infantil, esses segredos são revelados às crianças, na medida em que elas se encaminham para a fase adulta e quando se acredita que esses
segredos sejam assimiláveis psicologicamente.
Para os gregos, a infância é um período
fantástico para o aprendizado. É comum se dizer que o que se aprende, quando criança, fica de modo indelével na memória. A cultura grega tem a tendência de considerar a infância como uma fase
privilegiada da vida humana.
Se observarmos a questão por uma ótica
sócio-política, a criança, assim como as pessoas da terceira idade, são classes não-produtivas e, portanto, não-importantes para o sistema capitalista.
Vemos, historicamente, a infância passar
do invisível ao desprezível, como classe produtora e como infantil é o adjetivo derivado de infância, carrega toda esta conotação negativa. Há correntes que renegam este adjetivo e optam por
chamar atividades voltadas para a criança como Literatura para criança, Teatro para criança, como se a palavra infantil emprestasse a estas atividades um valor menor.
No entanto, acreditamos que esta postura
corrobora esta visão ao invés de modificá-la. Não usar a palavra infantil por quê? Infantil vem de infância, período considerado primordial na formação do adulto.
Muito pelo contrário, temos é que mudar o
conceito ou pré-conceito em relação à palavra infantil e usá-la com muito orgulho como em nossa Literatura Infantil, reconhecida mundialmente por sua qualidade e assim definida pela Fundação
Nacional do Livro Infantil e Juvenil.Ao resgatar o sentido primeiro da palavra infantil estamos transformando o conceito de infantil. E as pessoas alegam, como justificativa, que se usa “Que
atitude infantil" - uma forma pejorativa. Sim é verdade, mas isto não empresta nenhuma conotação desabonadora à palavra infantil. Na verdade, a pessoa, em questão, está tendo uma atitude
inadequada a sua idade,não que infantil, por si só, seja termo pejorativo. Poderia ser também uma atitude senil – e isto torna as pessoas já acometidas de senilidade seres menores,
“desimportantes” ?
Ao invés de mudarmos palavras é
necessário mudarmos conceitos, que levam a posturas por vezes rígidas e absolutamente ineficientes.
E em nome desta pequena miscelânea de
idéias, diz-se – não há teatro infantil e teatro adulto. O que há é o bom e o mau teatro. E dão como justificativa o Teatro na Idade Média, as farsas, representadas na rua, para toda a família.
Mas esquecem exatamente o que foi abordado acima sobre a questão da criança na sociedade de então, e esquecem também que na Idade Média os feudos eram minúsculas povoações com um número
incomparável ao nosso mundo hoje, formado por crianças e jovens até 20 anos, que então morriam ou de peste ou nas cruzadas. Claro que era, assim possível, um teatro para toda a família, sem
distinção de infantil ou adulto.
Outra justificativa levantada em prol do
famoso “teatro é teatro e pronto” é o teatro de Mamulengo. Mais uma vez dizem: “ Veja o teatro de mamulengo, é representado para a família inteira” – uma afirmativa sem nenhuma
verdade.
O Mamulengo é um espetáculo que dura em
torno de seis horas, representado no interior de Pernambuco, onde o analfabetismo aproxima adultos e crianças, onde o universo em que vivem, restrito, também os aproxima, a convivência estreita
diminui os “interditos” à criança. E na verdade, em seu livro “O mundo mágico de João Redondo” Altimar Pimentel diz: “ Primeiro as crianças iam dormir, depois as mulheres se retiravam e quando já
ia alta a noite e a cachaça o mamulengo então se tornava pornográfico” Portanto o conceito de infância não suficientemente debatido, pensado e refletido, coloca em questão inúmeras assertivas
sobre o teatro infantil, que se tornaram verdades.
Esta questão “o que importa é o bom
teatro” é evidente e não diz nada, na verdade. Do teatro para criança tem que se exigir qualidade, da mesma forma que do teatro para adultos, mas isto não os torna “a mesma coisa
“
Aqui sempre vale repetir a já
exaustivamente citada frase de Stanilawsky “O teatro para crianças tem que ser igual ao do adulto, só que melhor” ou a frase de Pirandello “Fazer teatro para crianças é igual a fazer teatro para
adultos, só que mais difícil”Seguindo a história, a idéia de infância se concretizou quando foi inventada a imprensa. Assim a nova idade adulta passou a excluir as crianças e estas, expulsas do
mundo adulto, passaram a habitar um outro mundo, o mundo da infância. Ao se tornar letrado, o mundo adulto, a educação passou a ser instrumento necessário e assim surge a civilização européia que
inventa a escola, provocando uma revolução profunda no próprio sentimento de família. Agora os pais confiavam à escola o papel de educar seus filhos.
A partir daí surge um novo amálgama,
difícil, até hoje, se individualizar. O teatro e o teatro na escola.
O teatro, como produção artística, visto
pela ótica da obra de arte não tem que fazer parte do processo educativo institucional da instiuição escola. Deve fazer parte da vida do indivíduo. E como obra de arte não tem função “ensinante”,
nem “moralizante”, nem “didática”. Diz-se do teatro pedagógico no sentido amplo de fazer o indivíduo se conhecer, se perceber, perceber o outro e o mundo e não aprender que se deve escovar os
dentes três vezes ao dia.
E aqueles que defendem isto, levianamente
citam Brecht e o teatro didático de Brecht. Em algum momento estas pessoas leram O Pequeno Organón de Brecht e viram que ele diz textualmente que o teatro não foi feito para ensinar? O didático e
o distanciamento Brechtiniano têm também a função do homem conhecer a si mesmo, ao próprio homem, ao outro e à sociedade e poder ver, perceber, pensar, raciocinar, deduzir, entender, compreender,
questionar, através deste distanciamento. que impede que a emoção tolde totalmente o seu pensar e repensar o mundo. O homem está aprendendo sobre o homem e sobre o mundo – pensando criticamente
sobre todas as questões pertinentes e jamais ensinando como as pessoas devem se comportar ou dando lições de moral, mensagens edificantes e tal.
Mas a escola com seu super-didatismo não
consegue permitir a liberdade da arte e a função libertária da arte. Não consegue entender que uma obra de arte é completa por si mesma, que não há necessidade de se fazer “um aproveitamento” –
este é feito pelo próprio processo artístico. Se não faz efeito assim, é porque não é uma obra de arte. E “fazer o aproveitamento” do espetáculo visto é limitar e reduzir a obra de arte e sim uma
aula e esta não é definitivamente a função do teatro, nem de nenhuma obra de arte.
E a escola continua a escolher os
espetáculos a serem indicados a seus alunos pelo critério dos que atendem ao conteúdo programático da escola, que ajudam a ensinar algo, ou que é transmissor de bons costumes, bons hábitos e boa
moral.
Ou então servem de maneira complementar
às comemorações do dia do Índio, do dia do Soldado, do mês do folclore e assim por diante. Esta também não é, definitivamente, a função do teatro.
As origens européias de nossa literatura
infantil e do nosso teatro, ambos introduzidos no Brasil através de autores europeus aqui traduzidos e publicados, trouxe esta função colonialista do teatro feito para ensinar a
criança.
O teatro deve estar na escola, como a
música, a dança, como Obra de Arte e não com a função de ensinar. Cabe a escola estimular a criança a experenciar a Arte – esta questão não mais se discute – fundamental na formação integral do
ser humano e enquanto ARTE.
O teatro pode estar na escola, íntegro,
de várias, formas, mas esta é uma questão par um outro artigo.
Atualmente, o conceito adulto-infância
está bastante confuso, sem fronteiras. Nota-se que brincadeiras de rua, jogos, brinquedos manuais, já não são mais alvo de interesse de nossas crianças ou então não estão disponíveis às
mesmas.
O vestuário infantil confunde-se com o do
adulto: crianças vestem roupas sensuais, salto alto, usam maquiagem e acessórios exagerados; enquanto adultos querem prolongar a adolescência, vestindo-se de forma apropriada a este
período.
A partir dessas considerações, parece que
a concepção de infância dos dias de hoje é semelhante à da Idade Média, quando a criança era concebida como um adulto em miniatura.
Nesse sentido, mais particularmente, a
noção de individualidade é que faz com que a criança seja entendida, como um "sujeito de direitos", um ser uno, indivisível, curioso, dotado das melhores potencialidades da espécie e que deve ser
respeitado, pois se encontra num momento de formação da personalidade e valores .
E nada melhor que a Arte, e aqui, o
teatro pra que ele discuta, questione, pense e repense e decida, por si mesmo, sobre seus próprios valores.
Outras palavras engessam o teatro
infantil, mas aqui a infância e a escola foram as questões primeiras. E sob esta perspectiva Maria Helena Kühner, de forma brilhante, questinonou todo este universo com um simples título do livro
qeu coordenou e que reúne artigos sobre teatro infantil de autores diversos - "O teatro dito infantil".
(1) FONTINHA, Rodrigo. Novo Dicionário
Etimológico da Língua Portuguesa, revisto pelo Dr. Joaquim Ferreira. Editorial Domingos Barreira, Porto, Portugal.
(2) CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário
Etimológio Nova Fronteira da Língua Portuguesa.
Editora Nova Fronteira. RJ. Brasil.
1982
Bibliografia:
Revista Sul Americana de Filosofia e
Educação, artigos diversos
ARIÈS, Philippe. História Social da
Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 1981
BRAYNER, Flávio. Da Criança-cidadã ao Fim
da Infância. In: Educação e Sociedade,
KOHAN, Walter Omar. Filosofia para
Crianças. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. Coleção (O que você precisa saber sobre).
POSTMAN, Neil. O Desaparecimento da
Infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999
RUSSEFF, Ivan. A Infância no Brasil pelos
Olhos de Monteiro Lobato. In: FREITAS, M. C. (org.). História Social da Infância no Brasil. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1999.